ARTIGOS JURÍDICOS
Natalia Zanata,
Advogada, contadora, mediadora e administradora judicial.
São José do Rio Preto/SP.
O momento de grandes incertezas econômicas revela a necessidade de aplicação de medidas urgentes às empresas em dificuldade financeira, além das já implantadas por meio das medidas implantadas pelo governo.
Neste novo cenário estão tanto aquelas que já se encontravam em processos de reestruturação e recuperação e que tiveram um impacto negativo em suas contas tendo sofrido um golpe atroz em seus planos de recuperação dadas as consequências diretas na viabilidade econômica desses planos que foram apresentados aos credores, como também aquelas que já vinham enfrentando dificuldades no mercado e que, por conta das medidas restritivas de isolamento social impostas pelos órgãos governamentais no controle da pandemia covid-19, tiveram suas atividades atingidas de uma maneira totalmente imprevisível e inesperável por um problema de força maior que impactou diretamente suas atividades.
A lei é bem clara com relação ao caso fortuito, retirando do devedor a responsabilidade pela mora, e permitindo, caso a caso, o direito à revisão, renegociação e até mesmo rescisão de contrato.
Neste sentido a previsão contida no artigo 393 do Código Civil que aduz que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior no caso de não haver responsabilidade e artigo 396 do Código Civil que retira a imputação de mora ao devedor caso não haja fato ou omissão à ele imputável.
Válido é destacar também os artigos 478 e 480 do Código Civil que trazem a teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva e que justificam a revisão de um contrato.
Adentrando diretamente à seara do direito que trata da falência e recuperação de empresas, temos que o Plano de Recuperação Judicial nada mais é do que uma grande negociação coletiva, um contrato pluri-lateral.
Assim, deflagrada a mudança no cenário econômico, e se este impactou negativamente o Plano de forma nunca antes imaginada e à contragosto do devedor, deve ser imperativo o afastamento da regra da Lei 11.101/2005 de imposição do cumprimento regular dos pagamentos à recuperanda sob pena de convolação em falência.
Se a negociação dos contratos entre partes já é algo difícil dada a grandeza do problema que estamos por enfrentar, penso que o enfrentamento das questões que passarão a surgir nos processos de recuperação judicial e que estão prestes a implodir, poderão colapsar o Judiciário.
Portanto o momento é de imposição de medidas urgentes e céleres que possam vir nortear devedores e credores, buscando o bem maior da economia como um todo, a fim de que não ocorra a paralisação da circulação de bens, produtos, recolhimento de tributos, geração de riqueza, contratação de mão de obra, manutenção dos empregos, e sobretudo pelo princípio constitucional da dignidade do ser humano vulnerável à insegurança econômica que já se alastrou no sistema pós covid-19.
De fato, os direitos e garantias fundamentais versam não só dos direitos individuais, coletivos, sociais e políticos como também dos econômicos.
Neste sentido, destacando-se pela relevância e resposta rápida à situação instalada no Brasil pela covid-19, temos os aditivos emergenciais à Lei 11.101/2005 em tramitação, com destaque para a inclusão da negociação coletiva entre credores e devedor, com a supervisão do Judiciário, à semelhança do sistema existente em alguns países europeus.
Este é o momento adequado para a adoção de práticas que deram certo em países que já sofreram com a crise e conseguiram se reerguer por meio de medidas que hoje servem de exemplo.
Historicamente, o sistema de insolvência brasileiro adotava uma linha pró-credor, o que veio alterado pela Lei 11.101/2005 com inspiração numa das linhas da doutrina americana com foco na proteção da atividade econômica e seu fim social.
Neste momento, o fato da norma inspiradora européia apresentar aparentemente uma linha pró devedor levanta críticas severas por parte de alguns doutrinadores do direito, mais conservadores às sugeridas medidas aditivas propostas no Projeto de Lei emergencial 1397/2020.
Por tal razão mostra-se importante discorrer sobre a figura do devedor no atual momento de crise circunstancial pela qual passamos.
A situação instalada em decorrência de um fato fortuito, aplacou diretamente o devedor que acabou sendo colocado em uma situação desfavorecida no ângulo pendular, justificando-se a adoção de medidas que levem em conta tal desequilíbrio, visando o reequilíbrio do cenário financeiro e a proteção da continuidade das atividades econômicas no país.
É incontroverso que na relação credor x devedor depende, fundamentalmente, o estágio do mercado vivido pelo país, neste momento abruptamente impactado, gerando um enorme peso no balanceamento dos ônus.
Neste sentido, os aditivos e Projetos de Lei com proposta de reorganização voluntária ou negociação coletiva inspirado no modelo europeu se mostra adequado ao novo sistema de insolvência pós pandemia covid-19, sendo capaz de dar a eficácia, celeridade e economia processual almejadas na lei de insolvência, tratando-se de medidas essenciais ao provisório momento de grande urgência de soluções das demandas.
A possibilidade de suspensão dos pagamentos previstos no plano, por um certo prazo pela recuperanda que vinha cumprindo regularmente seu plano de pagamentos impactado negativamente com a crise covid-19 merece aceitação.
Entendo, contudo, demonstrado o mínimo de possibilidade financeira pela recuperanda, que o devedor deve continuar a ser impelido a priorizar, neste período, o cumprimento dos créditos de natureza trabalhista, dado o caráter alimentar.
Por fim, a possibilidade de apresentação de um novo plano é uma medida justa desde que comprovado o nexo causal dos efeitos da pandemia com o impacto econômico-financeiro negativo na empresa.
Neste sentido, as informações que retratam a situação financeira e contábil da recuperanda sob os impactos causados pela pandemia covid-19 devem passar a ser colhidas com prioridade pelos administradores judiciais.
É na aplicação das medidas que deverão ser afastados os pedidos oportunistas, feitos por aquelas empresas que tentarem se beneficiar sem justificativas concretas das medidas emergenciais, sobretudo sendo penalizados aqueles pedidos eivados de má-fé, apresentados por empresas de setores que acabaram aquecidos buscando nítido proveito econômico indevido com a crise.
Não menos importante neste cenário, portanto, é a figura do administrador judicial pois o profissional deverá estar ainda mais atento aos documentos contábeis, e índices dos demonstrativos financeiros da recuperanda, fazendo acompanhamento dos gráficos de evolução e bem repassando as informações para os autos da recuperação, dando informações conclusivas ao juízo recuperacional, norteando a boa condução do processo especialmente nesta fase de turbulência e de ânimos exaltados do devedor e dos credores.
A transparência dos dados colhidos e a rápida transferência destas informações para os autos do processo, inclusive por meio de divulgação dos relatórios mensais de atividade de forma on line nos próprios sites dos administradores judiciais, conforme orientação recente do Conselho Nacional de Justiça, além de fazer escorreito o cumprimento dos encargos assumidos e impostos pela lei à função, tende à confortar as novas negociações entre devedor e credores, e vem facilitar a aprovação de um novo plano quando restar comprovada a necessidade de nova apresentação pela devedora.
Por todo o exposto, conclui-se que as medidas adotadas nestes parâmetros só contribuem à retomada do equilíbrio financeiro, exaltando-se o princípio maior da lei de proteção à atividade econômica, com a manutenção dos postos de trabalho, a cadeia produtiva, e o giro da economia como um todo.
Natalia Zanata,
Advogada, contadora, mediadora e administradora judicial.
São José do Rio Preto/SP.